O governo de Michel Temer anunciou essa semana que
pretende privatizar a Eletrobras, uma das maiores empresas de energia do mundo
e a líder na América Latina, responsável por mais de 30% da geração de
eletricidade e por 50% das linhas de transmissão de energia do país. O plano
faz parte de um pacote de 57 projetos que serão incluídos no programa de vendas
e concessões de ativos públicos ao setor privado, e inclui também a entrega de
14 aeroportos, 15 terminais portuários, além de rodovias e empresas como a Casa
da Moeda, que fabrica as notas de real e os documentos de passaporte.
O principal objetivo dessas privatizações é fazer
caixa para diminuir o déficit nas contas públicas, que deve ser de cerca de R$
159 bilhões tanto em 2017 quanto em 2018. As privatizações, no entanto, não têm
sido garantia de redução na dívida pública brasileira. Durante o governo
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por exemplo, foram privatizadas empresas
importantes como a mineradora Vale do Rio Doce, todo o setor de telefonia e
telecomunicações, além de dezenas de companhias geradoras e distribuidoras de
energia. Mesmo com a entrega do patrimônio público ao setor privado, a dívida
líquida do setor público explodiu nos governos tucanos, subindo de 32% do PIB
(Produto Interno Bruto), em 1994, para 56% do PIB em 2002.
“O governo Fernando Henrique começou
a privatizar dizendo que ia abater a dívida pública, melhorar a eficiência, a
qualidade e diminuir as tarifas. A dívida pública só aumentou, as tarifas
aumentaram muito acima da inflação e criamos um racionamento (de energia
elétrica, em 2001)”, analisou o professor Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras
de 2003 a 2008 e professor do Instituto de Engenharia e Ambiente da
Universidade de São Paulo (IEA-USP), em recente entrevista à revista Carta
Capital.
Preço
baixo
Atualmente, a Eletrobras é uma empresa de economia
mista, com participação de acionistas privados, mas controlada pelo governo,
que detêm, no total, pouco mais de 60% das ações ordinárias da companhia. De
acordo com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, a expectativa é
arrecadar R$ 20 bilhões com a venda das ações da empresa, eliminando o controle
federal. O valor esperado com a venda, no entanto, é pouco mais da metade do
valor da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que custou R$ 30 bilhões.
Somente a receita líquida anual da estatal ultrapassa os R$ 60 bilhões, um
valor três vezes maior do que a estimativa de mercado anunciada pelo ministro.
O patrimônio físico da Eletrobras também
impressiona. São 47 usinas hidrelétricas, 114 termelétricas a gás natural, óleo
e carvão, duas termonucleares, 69 usinas eólicas e uma usina solar. Todas são
próprias ou em parcerias com outros sócios. Além disso, a Eletrobras controla a
parte brasileira da usina binacional de Itaipu (Brasil-Paraguai), além de
grandes hidrelétricas como as usinas de Xingó (entre Alagoas e Sergipe), Belo
Monte (PA), Jirau e Santo Antônio, ambas em Rondônia, e as usinas nucleares
Angra 1 e Angra 2, no Rio de Janeiro. A estatal possui mais de 17 mil
funcionários.
A capacidade instalada de geração de energia
elétrica da Eletrobras é de 47 mil megawatts (MW), o que representa 31% do
total do país. A estatal ainda possui 71,2 mil quilômetros de linhas de transmissão,
que corresponde à metade de todas as linhas instaladas no Brasil. Estão ainda
sob controle da empresa mais de 270 subestações e seis distribuidoras de
energia nos estados Piauí, Acre, Roraima, Amazonas, Rondônia e Alagoas, que
atendem diretamente cerca de 12 milhões de habitantes.
Tarifa
deve aumentar
Apesar da promessa do ministro de Minas e Energia,
Fernando Bezerra Filho (PSB), de que as contas de luz vão cair “no médio
prazo”, a realidade tende a desmentir essa possibilidade. Isso porque a privatização
vai implicar em uma revisão do atual modelo tarifário aprovado durante o
governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), por meio da Lei 12.783/2013. Nesse
modelo, que permitiu a renovação das concessões das usinas hidrelétricas mais
antigas, foi definida uma redução no valor da energia cobrado pelas geradoras,
que passaram a vender a preço de custo. Esses valores foram repassados para as
distribuidoras do país inteiro na forma de cotas. Por causa disso, a energia
vendida pela Eletrobras é a mais barata do mercado e chega a custar quase três
vezes menos do que a energia vendida por outras geradoras.
Para se ter uma ideia, em Rondônia, estado atendido
por uma distribuidora da Eletrobras, o preço médio no final de 2016 era de R$
630/1.000 kWh (quilowatt/hora). Já no estado do Pará, onde a distribuidora foi
privatizada, a tarifa residencial custa R$ 740/1.000 kWh, cerca de 17% mais
cara. Os seis estados atendidos diretamente pela Eletrobras, que reúnem 12
milhões de habitantes, seriam diretamente afetados, mas como a estatal também
vende energia para distribuidoras de todo o país, a população inteira deverá
sofrer as consequências de um aumento das tarifas.
“Certamente vai aumentar a tarifa de energia,
porque vai revalorizar ativos amortizados, que terão que ser remunerados de
novo para compensar o investidor. Deve ser algo de 8% a 10% (de aumento)”,
afirma Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras. Para evitar uma
explosão das contas de luz, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), Tiago Barros, pediu ao governo que, em caso de privatização,
seja adotado um período de transição do modelo de cotas para diluir o impacto
das novas tarifas, que vão onerar os consumidores.
EUA
não privatizam
A tendência é que um grupo chinês compre a maior
parte das ações que forem vendidas das Eletrobras, prevê o jornalista Luís
Nassif. O controle do sistema elétrico e também da vazão dos mais importantes
rios do país trará sérios riscos à soberania nacional. “Nos EUA, o parque
hidroelétrico, que corresponde a 15% da matriz energética (deles), é
estatal-federal, porque lá se acredita que energia elétrica, que envolve
recursos hídricos, é de interesse nacional e não pode ser privado. Lá há muito
cuidado com água, rios e represas e nunca se pensou em privatizar”, escreveu
Nassif em seu blog no jornal GGN, ao criticar a decisão de privatização da
Eletrobras. (Com Brasil de Fato)
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